STAND-UP TRAGEDY
31/10/2003
 
saudade de um riso assim
No polémico - porque muito discutido - "Livro das Ilusões", de Paul Auster, um homem com a vida destruída, David Zimmer, recupera a vontade de respirar quando, por mero caso, vê um obscuro filme mudo de comédia, com o mais obscuro ainda Hector Mann. Começa por sair lentamente da sua letargia com as gargalhadas que o actor lhe provoca e, mais tarde, faz para si o objectivo, o desígnio, de investigar sobre a vida e paradeiro de Hector.

Por vezes, letargias desaparecem com gargalhadas. Não é exactamente o mesmo. Por vezes, são as gargalhadas, o próprio riso de alguém, que nos despertam. Poucas pessoas possuem esse dom. Distinguem-se do vulgo por uma marca registada, o seu riso, a sua gargalhada - única, inimitável, uma assinatura do próprio ser humano. Não me refiro sequer a risos estúpidos, caricaturais, que também dizem muito do seu proprietário. Falo de risos puros, decantados, que sublimaram as imperfeições do bom selvagem e, por si só, pela pessoa que os interpreta, entram directamente para o mundo efémero das felicidades alheias. LFB

30/10/2003
 
Apanhado em flagrante
O humorista volta várias vezes ao local do crime. Quem escreve e diz humor, normalmente experimenta uma piada com mais de que uma pessoa (ontem, fui apanhado num desses exercícios e senti-me como um deliquente, em pleno julgamento, a ser confrontado com a maior das patifarias). Sabemos disso: o comediante deve fazer experiências dessas apenas com pessoas da sua confiança. Nunca com o público. Só os amigos perdoam se não tivermos graça. NCS

 
Amigdalite
Em todos os making of's que vejo no canal Hollywood ou nos DVD's do videoclube Simões, há uma característica comum. Seja qual for o filme, há sempre um problema inesperado, um contratempo que torna o esforço de fazer um filme ainda mais épico. O actor que se magoa, a cena que demora dias a fazer, o produtor que desiste do projecto e depois volta atrás na decisão, etc.

Recordo-me do plano contrapicado que Orson Welles queria fazer em Citizen Kane e que, quando confrontado com a impossibilidade de a câmara estar ainda mais baixa, foi ele próprio buscar uma serra para serrar o chão de madeira do estúdio e atingir o seu objectivo. É um belíssimo plano.

Qualquer obstáculo, finalmente ultrapassado, é mais uma forma de dar importância ao trabalho final e de ajudar ao mito que pode envolver uma obra artística.

Escrevo tudo isto apenas para tentar encontrar um lado positivo nesta amigdalite que ontem me impediu de ensaiar, que hoje apenas me permitiu trabalhar uma hora e que agora me encharca em suores frios.

STAND-UP TRAGEDY, com estreia a 20 de Novembro, está naquela fase da construção de um espectáculo em que se costuma dizer que os actores estão a trabalhar de forma febril. Literalmente. TR

29/10/2003
 
o prazer de trancar as portas desta casa
ponto da situação:

não tenho net em casa pelo que vos escrevo do emprego. 70% do texto do espectáculo está fechado. Talvez mesmo 80%. Se isto fosse uma casa, estaríamos nos acabamentos finais. A colocar telhas e a dar a segunda demão. Mas falta o princípio. Quer dizer, ele existe mas não estamos satisfeitos ainda. Nesse princípio haverá gargalhadas. Mas fazem alguma ideia do que custa criar o estado de espírito para uma gargalhada?
Duvido que a maioria das pessoas faça.
Estou habituado a que amigos e conhecidos se refiram ao meu trabalho como "ir para lá contar anedotas". Infelizmente, fazer rir não é exactamente tão fácil como rir. Tudo bem, o que me interessa é que vou sair do trabalho daqui a 5 minutos e ter o prazer de fechar a casa, trancar as portas e janelas, ligar o alarme, olhar uma última vez para ver se está tudo e, enfim, sair. É que o meu trabalho é uma casinha onde trabalham pessoas que admiro desde o fim do liceu. É uma casa onde se faz rir, profissionalmente. Bem sei que o "STAND-UP TRAGEDY" não é uma produção das Produções Fictícias, mas tenho de falar deste sentimento docemente ditatorial - se isso é possível! - de estar aqui, só, a ouvir música e a trabalhar. Olho para as chaves, é mesmo verdade. E está quase a fazer um ano.

Lembro-me dos textos do Rui Cardoso Martins, do José Pina e do Nuno Artur Silva, de quando as PF não existiam e o José Pedro Gomes e o António Feio ainda não tinham grisalhos. Lembro-me dos textos que escrevia na altura, com um ou dois amigos. Do sonho com que sorríamos.

Porque é de sonhos, também, que se fala por aqui. Sei que o Tiago estará a sonhar com a parte de texto que decorou e que o Nuno sonha com piadas geniais. Sei que, realizado o meu grande objectivo, resta-me ir para casa sonhar com outras coisas. Pego nas chaves, no texto que já temos, e vou pensar no grande, enorme sonho, que será estrear um espectáculo só nosso. Desta vez só nosso. LFB

 
Sob a luz do frigorífico
O Nuno Miguel Guedes publicou, há pouco tempo, na “Visão”, um bom artigo sobre o Robbie Williams, em que conta a história de ego, glória e solidão deste ídolo pop. Anotei uma das tiradas auto-irónicas do ex-Take That. Acho que tem a ver – e muito - com o nosso espectáculo.

“Tenho uma relação de amor-ódio com a fama – mas estou viciado nela, e quem me dera não estar. Sou um 'entertainer' nato, quando abro a porta do frigorífico e a luz se acende, começo logo a cantar”. NCS

28/10/2003
 
O espelho
Depois de um período intenso de discussão e reescrita, em que eu o Nuno e o Luís habitámos esta sala de ensaio do Maria Matos, restei eu. É tempo de decorar e experimentar. Sobre o processo de trabalho e tudo o que aprendi com a companhia belga STAN, falarei noutro dia. Hoje quero apenas dizer-vos que tenho ensaiado sozinho e será assim toda a semana. Ganhei algo: a intimidade com o texto, que apenas a leitura a sós me podia oferecer. Perdi as gargalhadas do Nuno e do Luís. No lugar deles, à minha frente, está só um espelho. Um espelho que me devolve o medo de ser apenas um actor e ter apenas o texto. Não há mais nada, nem artifícios nem construções. Eu, o texto e o espelho. Já tenho saudades dos meus autores. TR

27/10/2003
 
o primeiro dia
Lembro-me de uma entrevista antiga do Herman, tinha eu 10 anos, em que o maior humorista português recordava os seus tempos de tímido adolescente. Diz ele que tinha duas hipóteses: ou continuava a chegar ao bar da escola para se refugiar directamente num cantinho, incógnito e só, ou contava uma piada ao entrar e toda a gente reparava nele. Todos sabemos da sua opção.

Um estudo recente concluiu que os europeus ocidentais riem uma média de 15 vezes por dia.

Nunca fiz a conta às gargalhadas e nunca consegui optar totalmente entre ser um tímido introvertido ou extrovertido. Aparente contradição que não o é, de facto.
Mas, no trabalho diário com o Nuno e o Tiago, rio seguramente bem mais do que a média e nunca me sinto só. Este é o primeiro dia da última etapa antes de estrear o nosso espectáculo, que reflecte e polemiza sobre o tema em que trabalhamos, diariamente, nas Produções Fictícias, o RISO. Teremos unhas para esta viola? Fiquem connosco. O diário segue dentro de momentos.LFB

15/10/2003
 
Citação
"Um humorista é aquele que tem a capacidade de despertar nos outros a alegria que ele não sente".
Carlos Drummond de Andrade

 
O primeiro blog de um espectáculo de teatro
STAND-UP TRAGEDY é o espectáculo definitivo na carreira de um grande comediante português. A solo, perante o público, um actor desafia as leis do humor e descobre-se a si próprio na solidão do palco. Estreia no Teatro Maria Matos, em Lisboa, a 20 de Novembro de 2003, às 21h30.

E, pela primeira vez em Portugal, um projecto de teatro tem o seu próprio blog. Além de oficina de escrita e de reflexão para a criação do espectáculo, este é também um espaço para contar histórias sobre o humor.

Neste blog, alimentado pelos autores e pelo actor de STAND-UP TRAGEDY, poderá saber mais sobre a personagem que dá origem a esta peça de teatro. Ou descobrir como estão a correr os ensaios e quem é a equipa por trás deste projecto. Também poderá ler textos e ideias sobre a comédia na escrita, no teatro e no cinema. Eventualmente, até terá oportunidade de rir.




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