STAND-UP TRAGEDY
28/11/2003
 
Os vossos mails
Caros espectadores e leitores,

Pedimos desculpas pelos problemas que temos tido na recepção de mensagens enviadas para o endereço mundoperfeito@hotmail.com. Provavelmente, muitos de vocês viram as suas mensagens devolvidas com o aviso de que a nossa caixa estava cheia. E estava. Alguns problemas técnicos e a falta de tempo que envolve sempre os primeiros tempos de exibição de um espectáculo não nos permitiram ultrapassar esse problema mais cedo. No entanto, agora o endereço está operacional e podem enviar (ou reenviar) as vossas mensagens, elogios, insultos, dúvidas e explicações para mundoperfeito@hotmail.com.

Leremos e responderemos com a maior brevidade possível.

Aproveito para recordar:

STAND-UP TRAGEDY estará em cena até 14 de Dezembro, de 4ª a Sábado às 21h30 e Domingo às 18h, no Teatro Maria Matos.

Reservas: Maria Matos - 218438806 /8 /9 ; Ticketline: 210 036 300
Bilhetes à venda na FNAC e ABEP

27/11/2003
 
mesa de amigos
Amanhã vamos voltar a jantar juntos. Actor, autores e produtora. Num restaurante, perto do Maria Matos, acontecerá provavelmente o que aconteceu em jantares anteriores deste grupo: entre risos e histórias, falar-se-á sobre o espectáculo, surgirão novas ideias, (talvez) novos micro-destinos para o personagem. O Tiago e a Magda escolherão uma comida leve (uma omelete, um peixe cozido), enquanto eu e o Luís avançaremos para uns rojões, uma carne de porco à alentejana e uma meia de tinto. Vejo-nos sentados à mesa, a uma hora e meia do espectáculo, no meio do fumo do cigarro. No fundo da sala, junto ao tecto, uma televisão transmite, sem som, o telejonal. Aos poucos, o Tiago vai-se calando - até deixar de estar ali. Daqui a nada, quando pedir a conta, já terá o tom de voz do Ricardo Magalhães. NCS

 
werther
Aqui se publica um excerto de "Albas", de Sebastião Alba - um livro que apresenta o já falecido poeta como um dos primeiros bloggers portugueses. A publicação deste "post" de um escritor português que merece ser (re)descoberto poderá ser mais um contributo para as discussões em torno de Stand-Up Tragedy :

"Estética da Recepção

Alguém disse a um grande poeta alemão (Goethe) que depois da publicação de uma obra dele, 'Werther', tinha havido uma vaga de suicídios por toda a Europa. Sabes o que ele respondeu? 'Meu Deus! Eu não queria isso. Escrevi-o para não me suicidar". NCS

26/11/2003
 
o cancro
Há uma parte do espectáculo em que Ricardo Magalhães, num tom sarcástico-desesperado, faz humor sobre o cancro. Relembra aos espectadores o seu número cómico sobre a situação dramática vivida pelo seu pai no IPO; número que criou como “palhaço da turma” (ficou preso à imagem que os colegas tinham dele e, por isso, imaginou uma série de piadas para divertir a assistência do pátio do liceu). Não fico feliz ao saber que alguém largou lágrimas ao relembrar a sua própria biografia durante esse número. Mas não é isso que me faz pensar que o número não deve lá estar. O número sobre o cancro está no espectáculo com um fim exclusivamente artístico – podia ser, mas não é gratuito. Faz, na nossa opinião, sentido estar ali. A arte, mesmo quando reflecte a biografia de alguém, tem de estar acima das vidas. Respeito quem se foi embora a meio do espectáculo. Acho isso perfeitamente normal. Faz parte do jogo de limites que é Stand-Up Tragedy. NCS

 
críticas e pistas
No fim da estreia, gerou-se alguma polémica em redor do espectáculo – e no meio da fumarada distinguiram-se algumas críticas claras. Felizmente. Stand-Up Tragedy não é um conto de fadas. Para além dos vários elogios sinceros (notei emoção transbordante em várias pessoas), houve quem tivesse levantado questões, algumas delas com interesse, sobre o texto. Sobretudo gente ligada à criatividade – e por isso mais analítica – falou em necessidade de depurar o texto, em zonas perigosas, em teses discutíveis sobre o humor, em clichés (o filho destroçado que tem um pai que sofre de cancro), em utilização de histórias sobre o cancro para provocar um efeito de tristeza nas pessoas. Sobre esta última crítica, queria deixar aqui uma pista: gosto de pensar em Ricardo Magalhães como um manipulador. Ele, aliás, no final sugere que nada do que contou até ali é verdade. Ricardo é um grande manipulador de emoções. Tanto faz rir como faz chorar. Dá um adoçante ao público e depois tira-o da sua boca de forma abrupta a dez minutos de espectáculo. Façamos um paralelo com o humor. Quando um humorista utiliza o sexo como tema, sabe que vai ter um efeito sobre as pessoas. Um tragicista, ao contar uma história com uma doença implacável dentro, sabe que isso vai mexer com a audiência. Sobre a nota dos que dizem que há ali uma tese sobre o humor, gostava de dizer o seguinte: para mim, a arte não serve opiniões. A fala do personagem não é o pensamento do autor. Não discordo de um livro de Céline. Gosto ou não gosto de um livro de Céline. Revejo-me ou não numa determinada intenção ou linha artística. Stand-Up Tragedy felizmente não é uma peça de tese. Conta-se ali uma história, a história de um humorista que sofre. E que acha – ele – que o riso, muitas vezes, é um vício – não uma transcendência. NCS

23/11/2003
 
alegoria chinesa
Está na altura de reflectir sobre o espectáculo. Temos ouvido falar em teses. Uma das teses é a de que, em STAND-UP TRAGEDY, defende-se que a tragédia é superior à comédia. Nada mais errado.
Há, evidentemente, teses neste espectáculo. Se nos tivesse apetecido uma coisa sensaborona, fácil, ou puramente comercial, não teríamos perdido tempo. O Ricardo Guimarães não seria uma personagem interpretada por um actor. Quanto muito davamos-lhe um ou dois sketchs de 10 minutos e lá ia ele ao "Levanta-te e Ri".
Não. Nem sequer existe uma depreciação do humorista. E mesmo nesse programa existem dois ou três comediantes de talento. Note-se, em primeiro lugar, que - mesmo naquilo que é moda - do joio separa-se sempre o trigo. É a selecção natural das espécies.
Na minha opinião (e podem ver-me a discorrer sobre o conceito de "opinião" em posts abaixo), há duas teses fundamentais neste espectáculo - entre outras. Primeira, o riso não é uma coisa assim tão transcendente. Segunda, não existem limites para o humor. O que significa que um verdadeiro humorista (são muito raros em Portugal), pode usar como material a sua própria vida. Mesmo no que esta tem de sofrimento. E tem muito. É isso que é perverso no humor. O exorcismo de fantasmas, o vício de fabricar piadas a partir do que for, a espiral irresistível de continuar á procura da gargalhada. Nada disto me parece chocante: Martin Scorsese, Billy Cristal, Charlie Chaplin, Bob Fosse e, de forma menos directa, Nelson Rodrigues e Tom Sharpe (entre outros), pensaram sobre o assunto.
Julgar que menosprezamos a Comédia, em St-Up T, é faltar ao essencial. Ou ignorar a auto-ironia de 3 associados das Produções Fictícias sobre o seu próprio trabalho. Quem melhor que um "profissional do humor" - para usar uma expressão patética - para reflectir sobre a Comédia, o Riso, o processo criativo do humorista?

Por outro lado, Ricardo Magalhães faz um tipo de stand-up que não existe em Portugal. A personagem efectua um stand-up americano adaptado à realidade portuguesa, porque se detém nas características e minudências da nossa mentalidade. A sua história cómica funciona como um todo. Não há cedências à anedota, ao palavrão fácil, "àquilo que fiz antes de vir pr'áqui". Ricardo Magalhães é anunciado como uma estrela. E o público nunca o viu. E mesmo quando "quebra", fascinante, o público não consegue deixar de rir por muito tempo.

O argumento de que este espectáculo reduz o humor a uma coisa quase irrelevante, derrotado estrondosamente pela tragédia, faz-me lembrar uma história narrada por Sen Yung-Fu, um chinês que viveu há 3000 anos (porque acabei de o inventar). Contava Yung-Fu, médico, que certo dia foi abordado por outro médico, muito satisfeito porque acabara de salvar uma vida graças a uma infusão de chá verde e lychees. Yung-Fu estava concentrado num quadro que pintava há uma semana e o seu interlocutor indignou-se por este não partilhar da sua alegria.
Ao que Sen Yung-Fu respondeu: "Deixa as pétalas da estrelícia anunciarem o entardecer do Verão". Ou, em português: "Meu caro amigo, a medicina não é tudo na vida. Há também, por exemplo, a pintura". LFB

 
ódio
Na estreia, como combinado, os autores e a produtora subiram ao palco para os aplausos.
Eu passara uma hora e quinze minutos a fazer, na segunda fila, o "espectáculo paralelo", como o Tiago lhe chamou. A imitar os gestos dele, a mimar expressões, a acompanhar pedaços de texto com os lábios, como um louco em playback. Em suma, a assustar o público ao meu lado e a sofrer. Agudamente.
Quando subi ao palco, pela primeira vez na vida como autor, sabia claramente o sentimento que o público me inspirava. Ódio. Não por aquele público em particular, onde até se encontravam bons amigos, mas pelo público em geral. Um ódio absoluto por não me interessar o aplauso nem a adulação. Um ódio terno por ter concluído mais um projecto e não conseguir expressar euforia embora a sinta. Um ódio suave, se calhar apenas desdém, porque imaginava a miríade de opiniões que seria obrigado a ouvir logo após os aplausos. É que, desculpem a expressão, estou-me cagando para as opiniões. Com a excepção de 6 ou 7 pessoas que poderia nomear de cor, estou-me nas tintas.
Escrevi o que quis, como quis, com as pessoas que quis.

Lembrei-me de uma história do Miguel Borges. Quando estávamos a gravar o "Serviço Público", o Miguel preparava simultaneamente o seu "Primeiro Amor", de Beckett. Dizia ele que estava a ter um gozo brutal nos ensaios do monólogo e temia apenas uma coisa: o público. Não por receios quanto à recepção do espectáculo. Apenas porque o incomodava, não o queria lá, não lhe apetecia. Ponto. Interpretei essa pequena história como a devoção absoluta do artista ao seu projecto e, no essencial, é a isso que se reduz - idealmente - a arte. Os romances, por exemplo, não se escrevem no café, em conversa com amigos, ou a duas mãos, como quem toca piano. Não são sequer, lidos em conjunto. São criados pelo seu autor, editados e, eventualmente, nunca lidos. São menos "romance", menos obra, por causa disso?

O curioso é que sempre apreciei aplausos. Como actor, até tenho aquele hábito estúpido de bater palminhas ao público quando nos chamam ao palco pela segunda vez. Uma parvoíce.
Mas o actor é uma coisa totalmente diferente. Talvez não para o Miguel Borges, que nem gosta da expressão - prefere chamar-se (em inglês) "mover".
É claro que a minha experiência como actor está para as do Tiago e Miguel como o Santa Clara está para o Real Madrid mas recordo bem o prazer que é abandonar o camarim e misturar-me entre os olhares fascinados de espectadores. Um suculento bife para o ego.

Como autor, sobretudo deste projecto (e vão vê-lo para perceber melhor),
foi outra coisa bastante diferente. Há uma expressão conhecida que explica isto bem: as opiniões são como os olhos do cu. Todos temos um mas todos pensamos que os dos outros é que cheiram mal.
Desculpem-me a franqueza. Chamem-lhe arrogância, o que quiserem. Mas estou-me nas tintas. As opiniões dos outros fazem-me cínico. Só me interessa o meu trabalho. Já ouvi praticamente todas das 7 pessoas que me interessava ouvir. Não tenho mais inseguranças. Realizei o projecto mais arriscado, on the edge, excitante da minha vida. Com as pessoas que queria. Não tenho mais inseguranças. LFB

 
o meu irmão na guerra
Na ante-estreia, para 400 convidados do nosso maior sponsor, a AXA, estava nervoso. Também estava ansioso. E apreensivo. E, quando me sentei na cadeira e as luzes da plateia se apagaram, percebi que tinha medo. Nunca tive medo no trabalho. É qualquer coisa de inexplicável mas sempre foi assim, desde o meu primeiro dia como profissional. Uma confiança absoluta.
Interroguei-me sobre esse medo. Estava com o Tiago e o Nuno, tranquilo em relação ao texto, tranquilo em relação ao actor - creiam bem, o melhor da sua geração.
Quando o Tiago entrou, debaixo de aplausos como desejávamos, percebi a raiz desse medo. A partir daquele momento, o Tiago iniciava uma batalha sem quartel com o público. Vai fazê-los rir, e tirar-lhe depois esse prazer. Roubar-lhes, pelo menos, o riso fácil. Vai confrontá-los, talvez chocá-los, surpreendê-los aqui e ali; insultá-los, se for necessário. Vai calá-los com um silêncio de dois minutos. Assombrá-los com mudanças de registo, de humor, de ritmo, que me lembram jogadas individuais do Maradona. Agora pára, sossega, arranca como um lince, finge que vai para um lado e arranca para o outro, senta dois adversários, simula o remate, pára de novo, com a baliza à sua mercê. Espera. Deixa o guarda-redes chegar-se, e pica-lhe a bola por cima em câmara lenta. Vai buscá-la do outro lado e, quando já só basta um pequeno toque, fuzila as redes com toda a força que lhe resta.
Percebi o medo.
Num monólogo, o actor está mais exposto do que nunca. Neste espectáculo, expõe-se duplamente: porque quebra. Porque muda intencionalmente de direcção, deixando a plateia suspensa numa longa dúvida. O que se passa? Voltará ou não?

É o medo da impotência. O medo de não podermos fazer nada se não assistir ao nosso irmão na guerra. Em combate. Todas as noites diferente, porque depende - parágrafo a parágrafo - da reacção que aquele público, o de cada noite, terá. Sozinho. E nós a poucos metros, sem poder fazer nada. LFB

 
O alarme
As últimas semanas antes da estreia foram de intensa revisão e aprumo do texto. Na sala de ensaios do Maria Matos, acomodados eu e o Tiago por dezenas de cigarros e o Nuno pelo seu caderno mágico das ideias, mexemos e remexemos nas páginas impressas.
Podemos dizer, com segurança, que o texto final não corresponde em 90% à primeira versão. Ainda bem.

Não há resultados perfeitos à primeira. Ou, como disse alguém, "ser espontâneo dá muito trabalho".

Felizmente, usámos um artifício inventado pela "ficha tripla". O alarme. Um estridente som de sirene que qualquer um de nós fazia soar, torturando as suas cordas vocais e o aparelho auditivo dos outros, de cada vez que o texto lido lhe parecia moralista, lamechas, pseudo-poético, ou apenas lugar-comum. Estamos contentes com o resultado. O alarme será ferramenta essencial em todos os próximos projectos do grupo.

Cedemos a patente por 100.000 mocas. LFB

 
Ricardo Magalhães
O nome da nossa personagem é uma daquelas pequenas homenagens que interessam aos próprios somente e a ninguém mais. Mas, por isso mesmo, até dão mais gozo. "Ricardo Magalhães" era o nome da personagem interpretada pelo Miguel Borges no "Serviço Público", programa da Mínima Ideia, que passou no canal 2 em 2001, ao tempo em que lá estávamos os 3. Tratava-se do pivot do programa, uma estrela de televisão com um terrível lado negro. O dark side of the force podia ser observado no pré-genérico de 5 minutos em cada episódio. O Miguel ainda nem sabe - está em cena com os Artistas Unidos - e talvez nunca venha a saber. Mas aqui fica. LFB

 
Antes de mais, a felicidade
Antes de mais, a felicidade. Estou muito feliz com o espectáculo. Com o resultado final do espectáculo. Com o nosso trabalho - a três - de meses e meses na definição de um caminho, de um caminho pouco confortável, de um caminho de risco, "a rasgar". Com a forma como o génio do Tiago agarrou o texto - na sua força e nas suas imperfeições. Com o trabalho excepcional - sempre muito rigoroso e emotivo - da Magda e do Tiago Costa Gonçalves. Antes de mais, o sentimento de estar a viver o momento artístico mais estimulante e transcendente da minha vida, em inteira cumplicidade com pessoas de talento e fúria em quem posso confiar e que confiam em mim. Antes de mais, isso. NCS

21/11/2003
 
Como foi a estreia?
STAND-UP TRAGEDY é um monólogo. Eu sou o actor que está em palco. Das 400 pessoas que encheram o Teatro Maria Matos ontem à noite, eu serei, com toda a certeza, a pior para contar como correu a estreia. Mas saí de lá com a sensação com que costumo sair dos jogos de futebol em que há muitos golos. A natureza deste espectáculo, em que o público é o terceiro protagonista, depois do texto e do actor, funcionou em pleno. O jogo de andar à procura de fronteiras funcionou. Procurámos a fronteira entre o palco e a plateia, o riso e o choro, o silêncio e a vertigem da palavra, o actor e a personagem. É no meio destas coisas todas, é no espaço sem nome que é a raia de todos estes países que eu quero estar com o texto do Nuno e do Luís. TR

20/11/2003
 
ansiedade, alegria, tensão, esperança
Hoje é o dia NCS

 
ANTE-ESTREIA
Hoje aconteceu a ante-estreia de STAND-UP TRAGEDY para o patrocinador, o grupo AXA, cuja vontade de apostar neste projecto contribuiu de forma fundamental para que hoje ele seja uma realidade (isto era o empresário a falar!, mas não deixa de ser verdade).

Ao contrário do que esperava, a plateia não foi tímida nem circunspecta, que é o que normalmente se espera de uma ante-estreia para um patrocinador. Pelo contrário, os mais de 400 convidados da AXA que acorreram ao Maria Matos esta noite foram calorosos e participaram no «jogo» entre mim e o público que é o pilar do texto e do espectáculo que eu, o Nuno e o Luís criámos.

Mas STAND-UP TRAGEDY já não é só desta «ficha tripla» que assina este blogue. Agora é também do coimbrão Tiago Gonçalves, autor do cenário e das luzes, do Pedro Almeida, que compôs e executou a música, do Alfredo Brito, que dá voz ao início e ao final do espectáculo e que deu dicas preciosas ao pobre actor que se meteu na alhada de fazer isto.

STAND-UP TRAGEDY já é de tanta, tanta gente, que é impossível nomeá-los a todos, mas devemos realçar a incansável equipa técnica e de produção do Maria Matos (a Joana Ferreira, a Paula Nascimento, o Luís Balola, o Ulisses, o Armando, o Carlos e muitos mais que espero me não levem a mal não os citar), acompanhado de Miguel Abreu, o director que inicialmente acolheu este projecto.

Esta noite, posso finalmente dormir descansado. Depois da ante-estreia vim satisfação no olhar de algumas destas pessoas. Só por causa disso, faz sentido o alívio e a serenidade que sinto. É que eu devia estar nervosíssimo. Amanhã, ou melhor, mais daqui a pouco, às 21h30 deste dia 20 que agora começa, estreio STAND-UP TRAGEDY. TR

19/11/2003
 
mais uma história
Publicamos mais uma das histórias que ficaram de fora do resultado final do espectáculo. É uma homenagem, uma forma de mostrar respeito:

Há pouco contei a história de uma senhora que estava presa à vida pelo fio da fantasia e que morreu quando o neto deixou de representar para ela a figura do irmão que teve quando era nova. Agora conto a história de um outro fantasista, de um virtuoso do piano que fazia sonhar as pessoas, de um pianista, um pianista hoje caído no esquecimento, mas que foi muito famoso em Itália, sobretudo nos anos 50. Chamava-se Giafranco Conte e era um magnífico entertainer, capaz de tocar várias coisas – desde música italiana, à música clássica, ao jazz, passando pelo rock que, na altura, estava a surgir, dando a todos estes tipos de música um cunho italiano. Dava concertos em todas as cidades de Norte a Sul e enchia sempre as salas. Era adorado pelo país inteiro. No fim da vida, continuou também a tocar, mas tocava já com evidente dificuldade – esquecia-se, de vez em quando, das músicas e perdera toda a vivacidade. As pessoas continuavam a ir ver os seus espectáculos apenas por carinho e devoção para com a sua pessoa e começaram a circular rumores por toda a Itália de que “o Giafranco não estava nada bem”. Na imprensa anunciavam o fim da sua carreira de mais de 40 anos. A sua mulher, todos os seus amigos, o seu manager diziam que já não valia a pena continuar a fazer actuações ao vivo pois, desta forma, estava a pôr em causa a sua imagem de pianista genial. Ele era teimoso – negava-se a aceitar a incapacidade, a velhice. Um dia, Giafranco Conte, reconhecendo finalmente a sua debilidade física e mental, que o tornava incapaz de tocar bem, resolveu seguir o conselho de um amigo músico mais novo. Estávamos no fim dos anos 70. Giafranco passou a fazer playback. Sentava-se em frente ao piano numa sala cheia de gente e alguém punha uma bobine a funcionar. Imitava muito bem que estava a tocar. Fazia os gestos com as mãos e os dedos, as caretas todas e, no fim, levantava-se para a grande ovação. Enganou o país todo – afinal o Giafranco Conte estava de volta, em grande forma. Ninguém suspeitava de que aquilo que se ouvia não era som directo, mas sim a sua perfeita imitação. Numa noite em Verona, Giafranco sentiu-se mal. Começou a babar-se em cima do teclado e caiu sobre este. A música continuou a tocar. Alguém levantou-se indignado e gritou, mesmo vendo que o homem estava muito mal: “Isto é playback! Seu pulha!!!”. A música, essa, continuava a tocar e o pianista continuava com a cabeça mergulhada no teclado, já morto. O tipo que ligava e desligava a bobine tinha-se ido embora. À saída, as pessoas comentavam o sucedido de forma incrédula. Mas, poucos dias depois, circulava uma tese sobre o assunto entre os seus fãs: com a morte do pianista em palco, acontecera algo excepcional. Dera-se um fenómeno sobrenatural que transmitira o génio de Grianfranco Conte para o piano. O piano ganhara alma e vida própria – e era por isso que continuava a tocar. Os fãs negaram-se a aceitar os factos e quiseram prolongar a fantasia, criando uma lenda. Com a morte de Gianfranco em palco, o piano era agora o artista. Incorporara todas as qualidades do pianista e tornara-se capaz de tocar sozinho para uma multidão de fãs de Giafranco Conte. Ainda hoje, a casa onde nasceu o famoso pianista (em Parma) é visitada por imensos turistas e diz-se que, todas as noites, quando toda a gente está a dormir, o piano, já velhinho, ainda dá os seus concertos. NCS

 
solidão
Aproxima-se o momento. Eu e o Luís temos estado no Maria Matos, vendo os ensaios. E já há algumas reacções de pessoas exteriores ao resultado - algumas tímidas, outras certeiras. O que, na verdade, interessa neste momento é que o Tiago está, pouco a pouco, a soltar-se. A integrar cada partícula do texto e da personagem. Calculo, vejo no seu olhar: para ele, devem ser momentos de grande angústia. É o forcado. O forcado ao mesmo tempo cómico e trágico que ainda está a aprender formas de contornar o touro. De o seduzir, de o enganar, de lhe espetar uma bandarilha. NCS

18/11/2003
 

 
Tiago Rodrigues / Luís Filipe Borges / Nuno Costa Santos

 
mundoperfeito@sapo.pt
A morada de e-mail aqui ao lado direito está errada. Na verdade é: mundoperfeito@sapo.pt. Pedimos desculpa oas que já tenham porventura tentado contactar-nos e não o tenham conseguido devido ao nosso erro que será corrigido o mais brevemente possível.

Aproveito para relembrar que o ensaio de imprensa de STAND-UP TRAGEDY é hoje, às 17 horas, no Teatro Maria Matos. Amanhã será realizada uma ante-estreia para o patrocinador oficial, a AXA. E quinta feira, dia 20, às 21h30, estreia.

STAND-UP TRAGEDY estará em cena de 20 de Novembro a 14 de Dezembro, de 4ª a Sábado às 21h30 e Domingo às 18h, no Teatro Maria Matos.

Reservas: Maria Matos - 218438806 /8 /9 ; Ticketline: 210 036 300
Bilhetes à venda na FNAC e ABEP.

16/11/2003
 
da alegria e do medo
A estreia é na 5ª feira e, como é natural nestas coisas, surgiram os problemas imprevistos de última hora. No filme "Shakespeare in Love", a personagem de Geoffrey Rush, o produtor da peça do dramaturgo William, respondia sempre assim aos seus infames credores, quando lhe perguntavam como ia o espectáculo estrear e dar lucro se estava tão atrasado:

"I don't know. It's a mistery!"

Mas o facto é que estreava sempre. Os nossos problemas não são assim tão terríveis, nem pouco mais ou menos, mas a adrenalina aumenta. Eu e o Nuno, impotentes nesta fase, limitamo-nos a confiar no Tiago. Na hora H, é ele quem vai estar no palco, só, durante uma hora e meia, num cenário minimal, realçado sobremaneira pelo tamanho do teatro. Antevejo já a minha reacção no imediatamente antes e depois da estreia. A vontade de fugir para fumar um cigarro, abraçar os dois amigos, evitar as pessoas que querem dar opiniões, quase sempre demasiado emotivas ou pouco sinceras. Falo-vos da alegria e do medo.
A sensação de abandono que se segue no momento a seguir à realização de mais um grande projecto. A noção agridoce de que se consumou o sonho, e já está. Porque as verdadeiras alegrias são mesmo assim, intensas mas efémeras.
E também o alívio. O alívio de nos podermos trancar todos no camarim e saber, em silêncio, que conseguimos. Que o Tiago já pode sair do palco e respirar fundo. Que podemos levantar a cabeça e olhar para os espelhos de luzes para confirmar que somos ainda muito novos, com tempo para corrigir erros e vários sonhos ainda para consumir num ápice. Porque, à escala do universo, por muito que se idealize e lute para afinar e realizar um projecto, ele faz-se e consome-se mais ou menos no mesmo tempo que leva a fumar um cigarro.

Talvez seja sintomático o facto de ter sido Charlie Chaplin, provavelmente o maior humorista de sempre, a deixar a frase,

"A vida é maravilhosa quando não se tem medo". LFB

 
citações eventualmente úteis
Na pesquisa feita para a escrita do monólogo, deparei-me com algumas considerações sobre o riso e a comédia, que deixo aqui:

François Ogier, um francês que escrevia prefácios:

"Ninguém ignora quanto o estilo que se emprega em tão diferentes matérias deve ser diferente: um alto, elevado, superior; o outro medíocre e menos grave. É por isso que Plínio o Moço tinha, de modo bem divertido, chamado a duas das suas casas de campo Tragédia e Comédia, porque uma estava situada na montanha, e a outra em baixo, à beira do mar."

Na "Estética" de Hegel:

"O riso não é, então, mais do que uma manifestação da sabedoria satisfeita, um sinal que anuncia que somos tão sábios que compreendemos o contraste e nos damos conta dele. Do mesmo modo, existe um riso de troça, de desdém, de desespero, etc. Pelo contrário, o que caracteriza o cómico é a satisfação infinita, a segurança que experimentamos por nos sentirmos elevados acima da própria contradição e de não estarmos numa situação cruel e infeliz. É a felicidade e a satisfação da pessoa que, segura de si mesma, suporta assistir ao falhanço dos seus projectos e a da sua realização. A razão estreita e afectada é a menos capaz disso, precisamente aí onde, na sua satisfação de si própria, se torna mais risível para os outros."

Mairet, autor dramático:

"A tragédia não é outra coisa senão a representação de uma aventura heróica na miséria. (…) A sua etimologia é tirada da palavra grega tragos e aédia, em que uma significa bode, e a outra canto, porque o bode era o prémio que antigamente se dava àqueles que cantavam a tragédia. (…) A comédia é a representação de uma fortuna privada sem nenhum perigo de vida. Vem da palavra "comos", que quer dizer burgos ou aldeias, porque a juventude da Ática tinha por costume representá-la no campo."

LFB

14/11/2003
 
a avó e o neto
Quando entregámos a primeira versão do texto, o Tiago achou que este precisava de histórias - de histórias de pessoas que ajudassem a perceber as luzes e as sombras do discurso do protagonista e dessem pistas sobre a arte da representação. Imaginámos, por escrito, várias. Algumas, depois, ficaram de fora da versão final do monólogo - por vários motivos, como, por exemplo, a falta de espaço. O texto que aqui publicamos - ainda numa versão bruta - é uma dessas histórias que, fazendo parte do espectáculo, não terão a honra de subir ao palco:

A avó do Rui, um amigo meu que é actor de teatro, nasceu e viveu sempre nos arredores de uma pequena vila. No fim da vida, veio morar com a filha, que vivia numa grande cidade. Durante muito tempo, a senhora esteve, digamos, normal. Só que, a certa altura, começou a ver e a ouvir algumas das suas memórias. Tal como acontece com tanta gente nos últimos dias, começou a viver noutro tempo, no tempo em que era pequena e vivia no verde do campo, entre vacas e cabrinhas. As pessoas que ela via em casa eram todas dessa altura. A filha era uma tia por quem, em criança, sentia um grande afecto. O marido da filha era ora um primo afastado que vivia em França ora o homem que ajudava o marido a tirar leite às vacas. O meu amigo Rui, o neto, era, para ela, o irmão que ela tinha e que morreu precocemente aos 16 anos, vítima de pneumonia. Sempre que via o neto tratava-o pelo nome de João e tinha para com ele o sentido de responsabilidade, a autoridade e a exigência que os irmãos mais velhos têm com os irmãos mais novos. Lá em casa, quando ela começa a interpelá-los como se fossem estas pessoas “antigas”, todos tentavam chamá-la à verdade. Diziam: “A senhora está a sonhar… Isso é tudo fantasia…”. O neto era o único que alimentava a fantasia da senhora. Fingia mesmo que era o irmão, respondia-lhe como se fosse o irmão que ela tinha quando era nova. A senhora fazia aquilo que lhe tinha sido destinado pela mãe - orientava o serviço em casa: “Ó João, vai buscar o leite à garagem…”, “ó João, vai fechar o portão para as vacas não saírem”, “Ó João, vai tomar banho que a mãe já preparou o jantar”. E o “João” saía sempre do lugar onde estava para fingir que ia cumprir as tarefas e voltava só para dizer que o trabalho já tinha sido feito. “Já está tudo tratado, irmã. Está descansadinha…”. A avó sorria e, às vezes, quando estava bem disposta, dava-lhe uma festa na cabeça. O Rui começou, cada vez mais, a assumir a personagem. O facto de ser actor ajudou imenso - foi buscar os adereços à produção da companhia teatral em que trabalhava e, sempre que estava em casa, junto da avó, apresentava-se vestido com umas calças sujas curtas, uma camisola vermelha aos quadrados e um chapéu de palha. Inspirara-se numa fotografia que tinha do tio-avô (quando este tinha 12 anos). Trabalhou a voz, os gestos do tio-avô, tendo como base aquilo que a mãe sabia. A representação foi levada até às últimas consequências. O irmão e a irmã chegavam a ter diálogos de uma hora sempre no mesmo pressuposto imaginário. Um certo dia, estava o Rui a chegar a casa e a preparar-se para se vestir de João, começou a pensar se aquilo que estava a fazer era correcto. Se fazia sentido e se era bom para a avó estar a alimentar uma fantasia sem correspondência na realidade. Para além disso, sentiu que estava a abusar dos seus dotes de actor para compor a personagem. Sentiu que o seu objectivo já não era só ajudar a sua avó a ser feliz - era aperfeiçoar-se como actor, era enganar alguém da forma o mais convincente e brilhante possível. Estava a consegui-lo e, mais do que estar a trazer felicidade à avó, era isso que o estava a motivar mais. Nesse dia, chegou ao pé da avó e, quando ela o chamou de João, ele negou que o era, disse o que todos os outros elementos diziam: que aquilo tudo era uma fantasia dela. A avó começou por ignorar tudo o que ele dizia, continuou a chamá-lo de João, a dar-lhe algumas ordens, mas, pouco a pouco, foi voltando à consciência, foi voltando a perceber que aquele homem que estava ali à sua frente não era o seu irmão, mas sim o seu neto, o filho da sua filha Margarida. Nessa noite, o meu amigo Rui foi dormir com a angústia de sentir que, depois da revelação, a avó tinha ficado triste, que a senhora não estava bem. E aquilo que pressentia que podia acontecer, aconteceu mesmo: no dia seguinte, o meu amigo Rui foi acordado pela mãe com a notícia de que a avó tinha morrido durante a noite. Ao lado de uma pequena fotografia do irmão, que estava em cima da sua mesinha da cabeceira. NCS

12/11/2003
 
zona de guerra
Nestes últimos dias, o Tiago tem estado sozinho a ensaiar no Maria Matos. Hoje vai lá ficar até à meia-noite, trabalhando, suponho, a parte mais dramática do Stand-up Tragedy. Imagino-o assim: com uma data de papéis na mão, soltando talento e fúria numa sala vazia. A nós – a mim e ao Luís - cabe-nos, neste momento, a ansiosa condição de familiares de um militar que viajou para uma zona de guerra. Força aí, meu irmão. NCS

11/11/2003
 
Ser fiel é difícil
Desde que conheci a companhia belga STAN, numa workshop no CCB em 97, as poucas opiniões que eu tinha sobre o teatro que via e queria fazer ganharam outra dimensão.

Na altura, tinha cumprido o primeiro ano de formação de actor no Conservatório. Ainda não tinha tido desilusões suficientes para procurar o meu próprio caminho nesta coisa de construir espectáculos. As desilusões viriam rapidamente, apenas a servir para reforçar aquilo que, nesse Verão de 97, aprendi com os «meus» belgas. Fazer teatro não é diferente de viver. Ou seja, os princípios que aplicamos à  nossa vida devem manter-se na forma como criamos espectáculos. Se procuramos ser honestos, justos e tolerantes no nosso quotidiano, isso deve ser transportado para a sala de teatro.

Os STAN trabalham sem encenador e sem encenação. Em todos os espectáculos que fiz com essa companhia nos últimos cinco anos, a primeira vez que «fiz» teatro foi no dia da estreia. Costumamos trabalhar cinco semanas à  volta da mesa, lendo, discutindo tudo, traduzindo, corrigindo, memorizando e debitando texto decorado. À volta da mesa e à  volta do texto, decidimos o cenário, as luzes, o som. Levantamo-nos da mesa um par de dias antes para ir ver como está a correr a montagem no palco e dar algumas opiniões. Nunca ensaiamos no palco. A primeira vez em que subimos realmente ao palco é na noite de estreia.

Na estreia, sabemos exactamente o espectáculo que queremos fazer, mas ainda não o fizemos uma única vez. Na estreia, conhecemos as opiniões de todos (às vezes divergentes) sobre as personagens e o texto, mas não sabemos a forma como cada um dos actores vai desempenhar o seu papel. É uma noite de descoberta e o início de um outro ciclo no trabalho. Todas as tardes, antes do espectáculo, discutimos o desempenho da noite anterior e deixamos que essa discussão continue em palco nessa noite.

O público desempenha um papel fundamental neste tipo de trabalho. Uma vez que, apesar de existirem acordos acerca da dramaturgia do espectáculo, este não foi fixado e marcado, a reacção do público também condiciona o desenrolar do espectáculo. O público é um dos protagonistas neste tipo de teatro.

O que procuramos é a autenticidade de uma conversa entre actores e dos actores com o público que está a acontecer realmente naquela noite. O que procuramos é a necessidade de inventar todas as noites e, correndo o risco da imperfeição e do erro, revelar as pessoas que estão em palco enquanto se revelam as personagens. As possibilidades são imensas, mas à  medida que o espectáculo vai «rodando», vai ganhando uma forma e quase se auto-encena. Existe o perigo da mecanização e do aborrecimento, que é exacatamente o que evitamos ao não ensaiar e ao não marcar absolutamente nada.

Quando isto acontece, é altura de voltar ao texto. No texto não há improviso. O texto é cumprido rigorosamente para que tudo o resto possa ser improvisado, num jogo onde a liberdade do actor é proporcional à  sua responsabilidade. Se o espectáculo começa a deixar de surpreender os actores que o interpretam, deixa de ser vivo. Nessa altura voltamos ao texto e tentamos reinventar tudo de novo. Há um «jogo» onde o actor é, não só criador do espectáculo, como continua a ser criador em palco e até ao fim da carreira de cada peça.

O essencial é o que acontece "aqui e agora". O "aqui e agora" é o único trunfo que o teatro tem na manga, comparado com outra formas artísticas. Não é a ilusão. A ilusão perfeita é o cinema. O teatro é o facto de gente se ter deslocado naquela noite àquele sítio para ver e ouvir aquelas pessoas. O teatro é o que acontece quando estas condições se reúnem. O que o teatro deve procurar veicular a sua mensagem concentrando-se naquilo que o torna único: o facto de acontecer "aqui e agora". A possibilidade do erro. A possibilidade de ser autêntico.

Estes são, em traços largos, os princípios do trabalho que tenho desenvolvido com os STAN em vários países por onde passamos. Isto é o que eu faço enquanto actor. É o que eu quero fazer com este STAND-UP TRAGEDY, que me traz de volta aos palcos portugueses. Faltam 10 dias para a estreia. Tinha vontade de trair os meus princípios e marcar tudo, ensaiar muito, criar imensas regras que me permitissem a segurança de fazer a mesma coisa com a mesma eficácia todas as noites. É uma vontade que surge do medo de falhar. Sobretudo porque estou sozinho em palco.

Envio uma mensagem ao Frank, actor dos STAN, que já fez vários monólogos desta forma. O espectáculo "Questionism" é um monólogo deste actor dos STAN, que provavelmente virá a Portugal para o ano e que ganhou o prémio de melhor espectáculo de teatro da Bélgica e Holanda este ano. Na mensagem, digo ao Frank que estou borrado. Pergunto-lhe o que devo fazer. Ele responde passados 10 segundos, como se desde sempre esperasse a minha mensagem.

"I know what you mean. Courage."

O Frank não me diz o que fazer. Diz-me que sabe o que é ter medo antes da estreia dum monólogo. Dá-me coragem. Mas não me diz o que fazer. É o mesmo que dizer-me que devo apenas... fazer. Daqui a 10 dias, na noite da estreia, não sei o que vai acontecer. Faz parte de ser fiel aos meus princípios. Não sei se vais ser bom ou mau. Sei que vou ser eu. TR

09/11/2003
 
mais uma do Mr.Entertainment
Depois de ter recuperado um texto cirúrgico publicado no DESEJO CASAR pelo Tiago, deixo-vos mais uma pérola de Robbie Williams, em entrevista a uma rádio britânica:

- é verdade que tem uma girafa tatuada no pénis?
RW - Não.
- pode prová-lo?
RW - Não havia espaço por causa do elefante. LFB

 
a ditadura do riso
Falo da ditadura do humor.

Não posso deixar de me sentir incomodado por aqueles que, por vezes muito mais cultos do que eu, se sentem na obrigação de dizer "aquele paneleiro holandês da auto-mutilação" para não serem acusados de pedantismo ao referirem o nome de Van Gogh.

Ou aqueles que imitam o francês macarrónico de Soares ao citarem uma frase de uma personagem de Chabrol, quando na verdade falam perfeitamente francês e choraram no final do filme.

Na verdade, estes são os Prados Coelhos do futuro, ainda cheios de pudores de citarem em demasia, receosos que alguém os leve a sério e, por isso, possa dar-se ao trabalho de discordar deles.

Ou então são Esteves Cardosos adiados, demasiado cultos para correrem o risco de caírem no disparate que é ser sério.

Seja como for, por muito que nos façam rir, são intimamente sérios. Sérios demais. Tão sérios que receiam que nós descubramos isso e, mesmo que por um instante, paremos de rir. TR

08/11/2003
 
O primeiro blog de um espectáculo de teatro
STAND-UP TRAGEDY é o espectáculo definitivo na carreira de um grande comediante português. A solo, perante o público, um actor desafia as leis do humor e descobre-se a si próprio na solidão do palco. Estreia no Teatro Maria Matos, em Lisboa, a 20 de Novembro de 2003, às 21h30.

E, pela primeira vez em Portugal, um projecto de teatro tem o seu próprio blog. Além de oficina de escrita e de reflexão para a criação do espectáculo, este é também um espaço para contar histórias sobre o humor.

Neste blog, alimentado pelos autores e pelo actor de STAND-UP TRAGEDY, poderá saber mais sobre a personagem que dá origem a esta peça de teatro. Ou descobrir como estão a correr os ensaios e quem é a equipa por trás deste projecto. Também poderá ler textos e ideias sobre a comédia na escrita, no teatro e no cinema. Eventualmente, até terá oportunidade de rir.

07/11/2003
 
a contagem decrescente começou
E foi um grande dia de trabalho no Maria Matos. Dirigido especificamente à última parte do texto por trabalhar: os primeiros 10/15 minutos.
A tarde começou com a audição da banda sonora que abre e fecha o espectáculo e que nos deixou como o Lleyton Hewitt a caminho do court, depois de ouvir o "Eye of the Tiger" pela milésima vez - cheios de força, indestrutíveis. E com uma vantagem, o nosso som é incomparavelmente melhor.

Pelo meio de um intenso brainstorming a 3, tempo para as interrupções da nossa produtora, a Magda. Peculiares e directas ao assunto. Dava aqui um exemplo mas é impossível reproduzir em texto aquela gargalhada. É que a Magda não interrompe com advertências ou discursos. Escuta, atenta, e ri-se quando acha que vale a pena. Mesmo a pena.

Assim, foi eleita o nosso "risómetro". Numa parte do texto em que provocar riso é absolutamente fundamental, a Magda deu-nos esperança. Lembram-se de um post de há dias, "Saudades de um riso assim"? Pois é. LFB

06/11/2003
 
regresso à sala
Hoje, actor e autores vão voltar a reunir-se no Maria Matos depois de uns dias em que cada um trabalhou para o seu lado. Falámos disso hoje, depois de uma tarde de escrita para este "Stand-Up Tragedy": eu e o Luís estamos inquietos para saber quais foram as soluções encontradas pelo Tiago para as várias zonas do texto. Estamos ansiosos e felizes. Talvez seja o momento mais importante de todo este processo. NCS

05/11/2003
 
Fim de carreira
Num filme antigo sobre dois velhos comediantes que sempre trabalharam em parceria, os actores George Burns e Walter Matthau têm uma discussão em que decidem terminar a sua colaboração e a sua carreira com um duo cómico.

Numa das falas, um diz ao outro:

"You know what your trouble was, Willie? You always took jokes too seriously. They were just jokes. We did comedy on the stage for 43 years. I don't think you enjoyed it once".TR

04/11/2003
 
sentido de humor
Diz-se que tem "sentido de humor" quem é divertido, quem nos faz rir. Ora, não é isso que o dicionário diz do humor. O sentido de humor devia ser uma paleta de emoções, do mau humor ao bom humor. Posso ter mau sentido de humor. Ou sentido de mau humor. Ou ser apenas uma pessoa naturalmente triste. Posso até (devo) chorar e rir, saber chorar e saber rir, nos momentos adequados. Não seria brilhante se, em vez de um "Levanta-te e Ri", um dia surgisse o "Levanta-te e Chora"? LFB

03/11/2003
 
Figuras de urso
"O homem é o único animal que ri. E é rindo que ele mostra o animal que é". Millôr Fernandes

Durante as reuniões para este espectáculo, lembrámo-nos de desconstruir a importância - muitas vezes, desmesurada - que se atribui ao riso. Rir pode não ser uma manifestação de inteligência. Pode ser apenas um reflexo, um mecanismo facilmente desmontável. Rimo-nos por uma série de motivos. Muitas vezes, sem qualquer elevação. E, como lembra Millôr Fernandes numa das suas frases, julgamos sempre que o nosso riso é o riso de Deus quando, na realidade, estamos, muitas vezes, a fazer verdadeiras figuras de urso. NCS

02/11/2003
 
Amigdalite II
Ainda em convalescença, cá vou aproveitando a pausa forçada para fantasiar.

Aprendi com os STAN, a companhia belga com que costumo trabalhar desde há cinco anos, que não vale a pena fazer um espectáculo senão para pôr em prática e tornar real aquilo que vamos fantasiando a partir do texto e das conversas que temos sobre aquilo que o texto diz.

Os actores são gente que revela as suas fantasias.

No meio dos antibióticos e das gotas e de outros trabalhos, vou relendo e repetindo mentalmente o texto que o Luís Borges e o Nuno Costa Santos inventaram para este espectáculo.

Hoje, apesar do regresso fulminante da febre, tenho a certeza: o texto deixou de ser do Luís e do Nuno. Já nem há texto. Já só há uma fantasia a vinte dias de ser verdade no palco do Maria Matos.

Assim a febre e a dor de garganta passem rapidamente. Alguém sabe para que é que serve este comprimido cor de laranja? TR

01/11/2003
 
punch
Digam-me: e se eu, esta noite, resolver não subir ao palco? E se eu ficar dentro do camarim, acompanhado de fotos antigas, fazendo o número só para mim próprio? Será que me vou rir das minhas próprias piadas? Será que vou bater palmas de pé e oferecer flores ao gajo que está à minha frente, no espelho? Ou vou assobiá-lo e insultá-lo - antes de lhe partir a cara com um murro? NCS


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